segunda-feira, 10 de outubro de 2016

25. A Menina e o Mundo

- Eu ando muito preocupada com você... – disse a Menina para o Mundo, aflita.
- Eu sei. Eu consigo perceber. Tenho observado suas andanças Menina. E sinceramente, preciso lhe pedir desculpas.
- Por que? – perguntou a Menina, sem entender.
- Para você sobram apenas lições duras, aprendizados feitos de espinhos em meio a selva triste. É assim que estou, Menina. – disse o Mundo, com pesar. – Cheio de brutalidade e ódio. Me desculpe por tanta violência em cima de você, ainda tão jovem.
- É verdade. Muitas vezes fico machucada com as conversas e acontecimentos que tenho com as coisas que te habitam, Mundo. Mas mesmo assim, você não me deve desculpas. – respondeu a Menina, acolhedora. – Nós te fazemos todos os dias, Mundo. E se hoje todas as coisas são tão cheias de violência, é porque ainda não aprendemos a te fazer direito.
- Mais uma lição dura para você, Menina. E eu não posso mentir: muitas outras virão. Sempre em tuas caminhadas te sobrarão pedras e ervas daninhas. – respondeu o Mundo, com tristeza.
- Sim, você tem razão. Eu sei que ainda vou me machucar outras vezes nos passos do meu caminho. Mas Mundo, as coisas não são feitas só de dor e tristeza. Às vezes, em alguns momentos, sobram também alegrias, gestos de amizade, jeitos de amar. Nem só de ódio são feitas as coisas da existência, Mundo.
- É tão bom ouvir isso... – respondeu o Mundo, cheio de afeto. – Gratidão por essa conversa, Menina. É bom que você possa cultivar, nos cantos e frestas desse Mundo caduco, alguma poesia e afeto. Isso faz desse Mundo triste um pouco mais feliz. Hoje é você que me ensina uma lição.
- Eu que sigo, Mundo, aprendendo na minha caminhada. – respondeu a Menina, também afetuosa.
E sorriram, a Menina e o Mundo, e em silêncio ficaram, pensando em toda existência que seguia, atribulada em seu árduo trabalho de existir. Depois, se despediram.
A Menina seguiu seu caminho, colhendo conversas com as coisas da existência.
“Coragem!” pensou o Mundo. Enquanto observava de longe a Menina em sua caminhada.

[Aqui se encerram os contos das Conversas da Menina com o Mundo. Gratidão a todas e todos que acompanham semanalmente as publicações!
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segunda-feira, 3 de outubro de 2016

24. A Menina e o Nariz de Palhaço

- Então sua função é fazer as outras pessoas rirem? – perguntou a Menina ao Nariz de Palhaço, animada. 
- Somos a ferramenta usada para isso. Somos apetrechos nas mãos de hábeis artesãos. 
- Que artesãos? 
- Os palhaços, Menina, os artesãos do riso! Nós, narizes de palhaços, junto aos outros apetrechos, maquiagens, adereços, figurinos, servimos de ferramenta para que os palhaços e palhaças façam o seu trabalho: produzir o riso! 
- Parece um trabalho importante. 
- E é mesmo. A humanidade sempre tem seus carpinteiros do riso, pessoas cujo trabalho é esse, produzir alegria e felicidade. Cada tempo tem o seu. Os palhaços são tão antigos quanto a mais antiga sociedade humana. 
- Uau! – exclamou a Menina, deslumbrada. 
- O riso é uma coisa bastante poderosa. – disse o Nariz de Palhaço, compartilhando o deslumbramento da Menina. – Desmancha os contornos rígidos das autoridades, a seriedade dos discursos da ordem, os limites que amarram os corpos e suas relações com o mundo. 
- Ser palhaço deve ser uma coisa muito divertida! – falou a Menina, inocente.
- Isso não é verdade.
- Mas vocês não trabalham produzindo o riso? 
- Um padeiro deixa de sentir fome por produzir centenas de pães todas as manhãs? Fazer o riso é o ofício dos palhaços e palhaças, Menina, sua forma de fazer a vida. Um trabalho, como outro qualquer, feito de cansaço, dificuldades e algumas alegrias. Nos dias atuais, não é nada fácil ser palhaço. 
- É uma coisa triste de se ouvir... 
- Um pouco. Mas apesar das inúmeras dificuldades, Menina, ainda resta o riso, apesar de tudo. Ainda resta a felicidade que arrancamos com nosso trabalho de produzir a alegria, que contraria, mesmo que só por um segundo, todo esse triste e lamentável arranjo do mundo. É por isso que seguimos, Menina, fabricando as risadas, apesar de tudo. 
- Eu adoro os palhaços! – disse a Menina, com sincera alegria. E, ao invés de se despedir, vestiu o nariz de palhaço. Ficou assim, o resto do dia, palhaçando por aí.

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