segunda-feira, 29 de agosto de 2016

19. A Menina e o Verme do Cemitério

- Você convive o tempo todo com gente morta?! – perguntou a Menina, espantada.
- Não! – exclamou o Verme do Cemitério. – Quem é que gosta de conviver com gente morta? Nós, vermes do cemitério, gostamos de comer os mortos.
- Que horror!
- Isso porque vocês, humanos, cercam a morte de sentimentalidades. É só verem um cadáver que, pronto, já ficam cheios de topos os tipos de afetos. Nós, vermes do cemitério, não. Quando vemos um cadáver pensamos: comida!
- Como você é insensível... – respondeu a Menina.
- Materialista. Nós, vermes do cemitério, somos materialistas. E, afinal, vivemos de nos alimentar dos mortos. Mas isso não interfere na nossa sensibilidade. Existe poesia nisso que fazemos.
- Como assim?
- Comemos a morte e, assim, reciclamos a vida. Os cadáveres que digerimos retornam a terra, para que possam ser absorvidos pelas raízes das árvores ou da grama. Fazemos parte desse ciclo geral das coisas, do movimento da existência, com seus nascimentos, transformações e mortes.
- É verdade, há nisso muita poesia.
- Estou te dizendo.
- Bem, preciso ir. – finalizou a Menina. – Vou deixa-lo com seus mortos. E com seus versos.
- Gratidão. Te desejo o mesmo: siga bem com os seus, Menina.
- Com meus versos?
- Com seus mortos. – concluiu o Verme do Cemitério. – Siga bem com seus mortos.

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