segunda-feira, 22 de agosto de 2016

18. A Menina e o Muro

- Você é muito impositivo. – disse a Menina, instigada.
- E o que você esperava? – respondeu o Muro, com naturalidade. – A imposição é a principal característica que carregamos, nós, muros que separam as propriedades. Nosso trabalho é esse: impor no espaço uma série de recortes.
- E vocês recortam o espaço para que?
- A pergunta certa, Menina, não é para que, e sim, para quem. Recortamos o espaço por desejo da humanidade. Ou pelo menos de uma parte dela. Nós, muros, somos a materialização da vontade de alguns.
- Que vontade?
- Não é óbvio? A vontade de alguns de pegar para si uma parte do espaço. Essa é nossa real função: garantir que os lugares possam ter donos. Não é um trabalho muito bonito, mas fazemos sem reclamar. É com ele que se definem as fronteiras de todas as coisas: países, fazendas, fábricas, prédios. É a dureza de nossas pedras e tijolos que garantem as propriedades do mundo.
- Mas... e as pessoas que não tem espaço algum? Como ficam? – retrucou a Menina.
- Do lado de fora. – disse o Muro, definitivo. – Essa é nossa obrigação fundamental: garantir as desigualdades dos espaços onde a humanidade existe. Cumprimos nosso dever de muros a muitos milênios, desde os primeiros passos da sua espécie.
- Isso é muito sufocante. – falou a Menina, aflita.
- Depende do ponto de vista. Mas lembre-se sempre disso: não existem muros que não possam ser derrubados. – finalizou o Muro. – Nesse mundo, Menina, tudo que tranca, trinca.

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