segunda-feira, 11 de julho de 2016

12. A Menina e o Pinscher da Madame

- Você tem muitos privilégios, não é mesmo? – perguntou a Menina, ingenuamente.
- Com certeza. – respondeu o Pinscher da Madame, com empáfia. – Tenho todos os privilégios que um cachorro do meu porte merece.
- Eu não entendo, você é tão pequenininho...
- Estou falando da minha raça, Menininha. Sou de uma linhagem de pinschers da aristocracia inglesa.
- E o que isso significa?
- Que sou um cachorro que custa caro, muito caro, e por isso sou merecedor de todos os luxos que cercam a minha vida.
- Que tipos de luxo?
- Todos. Todos os privilégios que podem ser dados a um pinscher valioso como eu. Minha coleira é feita de ouro e brilhantes, da grife mais cara do mundo. A cama onde eu durmo, de estilo clássico, custou mais dinheiro do que a criada humana, que me serve, ganha em meses. Minha ração é importada diretamente da Escócia, feita com carne de ganso.
- Sabia que existem milhares de cachorros morrendo de frio na rua?
- É claro que sei. Quem é que não sabe? As coisas são assim, Menininha. O mundo não é um lugar justo. Para se fazer um cachorro rico é preciso dez mil cachorros famintos.
- Você não se sente mal com isso?
- Porque eu me sentiria? – desdenhou o Pinscher da Madame. – Acho que você tem assistido desenhos demais. Quem é que não quer uma vida uma vida de luxos? Comer as melhores comidas, dormir nas melhores camas, viajar para as paisagens mais bonitas... Todos querem. Poucos podem.
- Mas e se os cachorros abandonados um dia se irritarem? E se vierem atrás de você com seus privilégios? – perguntou a Menina, intrigada.
- Isso não acontece. Para isso existem a carrocinha, os serviços de zoonose, os muros da mansão, os seguranças particulares da Madame. Para manter os cães miseráveis no seu devido lugar.
- Compreendo... – respondeu a Menina, pensativa. E se despediu do Pinscher da Madame, que começava a se preparar para ir a uma festa de cães da alta sociedade.
Naquela noite, a Menina dormiu mal. Agitada, se revirava na cama, suava. Nos poucos momentos que conseguia dormir, tinha sonhos intensos. Sonhava com os cachorros de rua.
E sua revolução.

[O livro ilustrado das Conversas da Menina com o Mundo, com todos os 25 contos, numa linda edição em capa dura, está a venda na Livraria Cultura, nesse link aqui ]

Nenhum comentário:

Postar um comentário