- Mas vocês trabalham
o dia inteiro? – perguntou a Menina, espantada.
-
Praticamente sim. – respondeu o Cachorro do Carroceiro, com disposição. –
Acordamos antes do dia se levantar e voltamos para casa quando a noite já avançou.
Trabalhamos de sol a sol, dirigindo nossa carroça pelas ruas da cidade
apressada. Quase não temos descanso, meu dono e eu.
- E o que
vocês fazem?
- Pescamos
em meio ao lixo tudo aquilo que pode ser reciclado. Recolhemos o que pode ser
aproveitado do que os comércios e casas jogam fora. Passamos o dia circulando
por aí, apanhando esses materiais e vendendo nos centros de reciclagem. Nosso
veículo de trabalho não polui. Ao contrário, recicla. – disse o Cachorro do
Carroceiro, com inteligência.
- Porque vocês
precisam trabalhar tanto se fazem uma coisa tão importante? – perguntou a
Menina, sem entender.
- Porque o
mundo não é um lugar de igualdades, Menina. Aqueles que habitam o lado oposto da
riqueza só conseguem sobreviver com muito esforço. Nós, cachorros de carroceiros,
junto de nossos donos, fazemos nossa existência desse lugar. Nosso trabalho e
esforço valem muito pouco.
- Eu fico
triste por vocês...
- Por favor,
não faça isso. É verdade, reciclamos toneladas em troca de centavos, vivemos
agressões de todos os tipos, trabalhamos 10, 12 horas por dia, mas mesmo assim,
mesmo assim temos uma vida, para além da tristeza do nosso cansaço. Conhecemos
os outros carroceiros com seus cachorros, caminhamos lado a lado com as outras
existências que se fazem na sombra dos palácios. E assim escrevemos nossa presença
na cidade e na História. É apoiado em nossos pares que fazemos nosso cotidiano,
Menina, que erguemos nossas famílias, comunidades, nossa cultura de gente
simples, nascida da falta, filha da miséria, mas cheia de vida e luta.
- Tudo isso
vocês carregam em suas carroças?
- Tudo isso
carregamos em nossas carroças. – concluiu o Cachorro do Carroceiro, com
simplicidade. – Trabalhando de sol a sol sem descanso.
A Menina se
despediu do cachorro do carroceiro, que abanou o rabo e partiu, junto do seu
dono. Enquanto se afastavam a Menina ficou ali, parada, observando o caminhar da
carroça.
Feita de
papelões, cansaços, marmitas e sonhos.
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