segunda-feira, 10 de agosto de 2015

22. A Menina e o Cachorro do Carroceiro

- Mas vocês trabalham o dia inteiro? – perguntou a Menina, espantada.
- Praticamente sim. – respondeu o Cachorro do Carroceiro, com disposição. – Acordamos antes do dia se levantar e voltamos para casa quando a noite já avançou. Trabalhamos de sol a sol, dirigindo nossa carroça pelas ruas da cidade apressada. Quase não temos descanso, meu dono e eu.
- E o que vocês fazem?
- Pescamos em meio ao lixo tudo aquilo que pode ser reciclado. Recolhemos o que pode ser aproveitado do que os comércios e casas jogam fora. Passamos o dia circulando por aí, apanhando esses materiais e vendendo nos centros de reciclagem. Nosso veículo de trabalho não polui. Ao contrário, recicla. – disse o Cachorro do Carroceiro, com inteligência.
- Porque vocês precisam trabalhar tanto se fazem uma coisa tão importante? – perguntou a Menina, sem entender.
- Porque o mundo não é um lugar de igualdades, Menina. Aqueles que habitam o lado oposto da riqueza só conseguem sobreviver com muito esforço. Nós, cachorros de carroceiros, junto de nossos donos, fazemos nossa existência desse lugar. Nosso trabalho e esforço valem muito pouco.    
- Eu fico triste por vocês...
- Por favor, não faça isso. É verdade, reciclamos toneladas em troca de centavos, vivemos agressões de todos os tipos, trabalhamos 10, 12 horas por dia, mas mesmo assim, mesmo assim temos uma vida, para além da tristeza do nosso cansaço. Conhecemos os outros carroceiros com seus cachorros, caminhamos lado a lado com as outras existências que se fazem na sombra dos palácios. E assim escrevemos nossa presença na cidade e na História. É apoiado em nossos pares que fazemos nosso cotidiano, Menina, que erguemos nossas famílias, comunidades, nossa cultura de gente simples, nascida da falta, filha da miséria, mas cheia de vida e luta.
- Tudo isso vocês carregam em suas carroças?
- Tudo isso carregamos em nossas carroças. – concluiu o Cachorro do Carroceiro, com simplicidade. – Trabalhando de sol a sol sem descanso.
A Menina se despediu do cachorro do carroceiro, que abanou o rabo e partiu, junto do seu dono. Enquanto se afastavam a Menina ficou ali, parada, observando o caminhar da carroça.
Feita de papelões, cansaços, marmitas e sonhos.











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