segunda-feira, 3 de agosto de 2015

21. A Menina e a Moeda

- Mas então vocês mandam no mundo? – perguntou a Menina, assombrada.
- Sim e não. – respondeu a Moeda, com rigor. – Nós, moedas e notas, criaturas do dinheiro, somos as ferramentas usadas para isso.
- Isso o que?
- Mandar no mundo, dominá-lo. Nos dias de hoje, mais do que nunca, é em nosso trabalho que se apoiam os donos de tudo.
- E qual é esse trabalho?
- Traduzir o mundo para nossa linguagem, a linguagem do dinheiro. Esta é nossa principal função: dizer no alfabeto dos preços e valores todas as coisas da existência. Catalogar no dialeto do Mercado tudo quanto ainda não tenha sido catalogado. Eis nosso trabalho: nomear todos os aspectos que fazem a vida em moedas, notas e cifras.
- Mais que coisa engenhosa...
- Você nem imagina, Menina. – disse a Moeda, com eficiência. – Nunca pensávamos que nosso trabalho iria tão longe! Atualmente, coisas que algum tempo não imaginávamos como nomear já estão aí, traduzidas para nossa linguagem de valores e lucros.
- Que tipo de coisas?
- Toda sorte de coisas: objetos, serviços, sonhos, afetos, desejos, modos de vida... Basicamente, tudo. Colonizamos muitos dos aspectos da vida. Estamos a um passo de nomear todas as coisas da existência na linguagem do dinheiro. Não temos limite para nossa potência de catalogar tudo.
- Mas isso não é terrível?!
- Depende do ponto de vista. Para aqueles que possuem o controle do nosso trabalho de moedas e notas, os engenheiros que operam e inventam a linguagem do dinheiro, para esses as coisas vão muito bem.
A Menina permaneceu em silêncio, perplexa. Com a Moeda na mão pensava no futuro, em um tempo em que todas as coisas tenham sua etiqueta de preço, em que os sonhos fiquem a venda nas prateleiras dos supermercados, em que nossos desejos mais secretos sejam planejados pelos donos do dinheiro.
Ainda perplexa se despediu da Moeda.
E comprou um chocolate.


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