- Mas não te
maltratam demais por aqui? – perguntou a Menina ao Leão do Circo, alarmada.
- Nada muito
fora do comum. É verdade, as vezes o domador exagera, é um pouco deprimente
passar a maior parte do tempo dentro de uma jaula, mas pelo menos tenho comida
todos os dias, banho toda semana. Alguns trapezistas não chegam a tanto. Em um
circo, Menina, todos cumprem com sua cota de maltratos.
- Mas o
trapezista é livre para ir, não vive em uma jaula.
- Livre para
ir aonde, Menina? – perguntou o leão com ironia. – As criaturas do circo ao
circo pertencem. Nós, leões do circo, temos a carne feita de lonas e trapézios,
nossos rugidos são os olhos do público brilhando de espanto! Nós, como todos os
seres deste lugar, somos comprometidos com o picadeiro.
- Então
vocês estão presos ao circo?
- De certa
forma... Mas me diga, Menina, qual ser que respira que não carrega suas
prisões? Além disso, você esquece do mais importante: o espetáculo! É por ele
que ficamos!
- Como
assim?
- É difícil
dizer... Na maior parte do tempo, viajamos de maneira precária, enfrentamos a
fome e o frio. Os espetáculo tornam-se repetitivos, tediosos, com os mesmos
estalos de chicote, as mesmas marcas de subir e descer da cadeira, o mesmo
rugido de efeito... Mas as vezes... As vezes, em algumas apresentações, alguma
coisa se passa e as almas transbordam! Nesses momentos, fazemos no picadeiro um
instante de vida!
- E é por
esse instante que vocês do circo passam por tantas provações?
- É por esse
instante que o circo permanece vivo. E é por ele que permanecemos no circo. O
show tem que continuar!
- O show tem
que continuar.
E se despediram,
a Menina e o Leão do Circo, que já começava a se preparar para o show daquela
noite.
A Menina
ficou para o espetáculo. E entre lágrimas e sorrisos se encantou com a
contorcionista, vibrou com os trapezistas, temeu o leão com seu rugido de rei
dos animais.
E foi
embora. Transbordada de vida.
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