- Mas então
você já viu morrerem muitos dos seus? – perguntou a Menina, assombrada.
- Inúmeros.
– respondeu o Gato de Rua – Da ninhada que fiz parte, dos 6 gatos que naquele
dia vieram ao mundo, sou o único que sobreviveu.
- Que horror...
– disse a Menina, com os olhos cheios de lágrimas.
- Por favor,
guarde sua pena para você. Nós, gatos de rua, sabemos do perigo que caminha
lado a lado com nossa existência. Ninguém quer a sua piedade por aqui.
- Mas você
não se entristece?
- Naturalmente.
Quando morre um dos nossos, nós cantamos nossa perda, celebramos nossa
tristeza. Fazemos nossas serenatas como uma forma de luto. Mas nunca nos
apiedamos.
- Mas tenho
pena por você não ter uma casa, um dono...
- Fui pego
da rua quando era filhote. Tive uma casa e um dono. Por mais que você não
compreenda, Menina, muitos dos gatos escolhem a rua, assim como eu fiz.
- Mas não é
uma vida de muito risco?
- Essa é uma
pergunta tola, Menina. O risco é o motivo para nós, gatos, escolhermos a rua.
- Então
vocês não temem a morte?
- Não,
Menina: nós amamos a vida. Nos arriscamos tanto porque sabemos que as delícias
de viver se escondem do lado de lá da segurança, nos quintais vigiados por
cachorros, nas lixeiras depois dos arames, nos ninhos no topo das árvores. O
risco, Menina, é o motor da vida.
- Você tem
mesmo muita coragem... – respondeu a Menina com admiração, e fez um último
afago no Gato de Rua, antes de se despedir.
Depois
daquela conversa, a Menina ficou inquieta. Pensava nos inúmeros aprendizados de
segurança que recebera ao longo de sua educação. Pensava na vida que fugia
enquanto ela, a Menina, seguia os protocolos de segurança do seu cotidiano. No
dia seguinte, ao invés de apanhar o ônibus, sem contar para ninguém, a Menina
voltou a pé da sua escola.
Apesar do
risco.
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